quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

JANELAS DA ALMA

Estava sentado numa Sala de Espera aguardando ser chamado para fazer um exame. Nada complexo, apenas um exame qualquer para ver se estava tudo ok. Fones de ouvido estrategicamente posicionados nas orelhas, mp4 tocando minhas músicas, pessoas desinteressantes sentadas nas cadeiras à minha volta, uma TV ligada num canal qualquer, meu pé batendo no chão conforme o ritmo que escutava, isolado do mundo, pensando no quanto aquele exame seria importante pra que minha namorada ficasse aliviada (e eu também), apenas esperando.

Minha cabeça baixa, olhando para o chão, noto um par de pés semi-ocultos por uma saia longa passando apressadamente. Levanto a cabeça, vejo um jaleco branco e cabelos castanhos aloirados, provavelmente tingidos. A médica segue pelo corredor e desaparece depois de uma esquina. Segundos depois retorna, vejo seu rosto e percebo que é uma bela moça, mas algo chama muito mais atenção: os olhos. Sabe quando tem alguma coisa no seu dia que te faz ficar pensando naquilo durante horas? Aqueles olhos... tão tristes... o que será que aconteceu pra que ela esteja com um olhar tão triste?

Ela passa por mim mais uma vez e desaparece por uma porta. Pouco depois sou chamado, entro numa sala e me deito na maca. A assistente me diz para aguardar um pouco, que o médico viria em seguida. Para meu espanto, o "médico" era na verdade "médica", mais precisamente a médica-dos-olhos-tristes. Me cumprimentou cordialmente, perguntou o motivo de eu estar ali, iniciou o exame.

Era um tipo de ultrassonografia, portanto a sala estava escura, apenas com a tela do computador iluminando tudo. A médica ficava lá movendo o scanner sobre a minha barriga pra ver se minhas artérias renais estavam bem, seu rosto azulado pela luz da tela. E lá estavam eles novamente: os olhos tristes. Só que agora tive mais tempo pra analisá-los com calma. Eles não eram tristes, eram vazios, sem vida, sem vontade, automáticos, mecânicos.

Uma mulher bonita, inteligente (ao menos é isso que se espera de quem está te examinando), médica (deve ganhar bem)... então por que aquele olhar estava lá? Não parecia ser apenas "um dia ruim" ou algo do tipo, era profundo.

Olho para minhas mãos e vejo minha aliança, um símbolo que me faz sorrir todos os dias. Olho para as mãos dela, não vejo nada em seus dedos. Será que esse é o motivo do vazio? Sei que poucos tem a sorte de encontrar alguém para amar, mas antes de mais nada deveriam amar a si mesmos!

Ai que vontade de conseguir ler a mente das pessoas! Ver seus sentimentos, ouvir suas angústias... Quanta curiosidade! Nada aconteceu. O exame terminou e, depois de uma despedida tão curta e cordial quanto o cumprimento, ela saiu da sala e logo em seguida fui para minha casa.

É cruel perceber o quanto as pessoas estão vazias por dentro, ainda mais quando você mesmo se sente tão bem e transbordando alegria. Chega a ser injusto, egoísta. Tão belos são os olhos dos apaixonados, tão frios os dos vazios de vontade. Deve ser por isso que os primeiros enxergam o mundo tão colorido enquanto os últimos só percebem diferentes tons de cinza.

"Os olhos são as janelas da alma" é o que dizem. Se isso é verdade, aconselho a todos que mantenham sempre suas janelas bem limpas e conservadas. Caso elas quebrem, mesmo que só um pouquinho, arrumem o mais rápido possível! Senão o frio pode entrar pelo buraco da sua janela quebrada e, mesmo que seja consertada depois, ele ficará para sempre dentro de você.

Made of Steel

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

O HOMEM QUE CHORAVA PÉROLAS

Numa hora qualquer duma madrugada qualquer, por um motivo qualquer, acordei. O despertador não tocou, nenhum barulho alto, ninguém me chamando... nada! Apenas despertei, era isso o que deveria acontecer. 

Levantei da cama. Olhei o relógio para constatar que ainda demoraria pra amanhecer e ir pro trabalho. Fui até a cozinha tomar um copo d'água. Senti fome. Preparei rapidamente a mesa. Peguei prato, talheres, pão e margarina. Como de costume, liguei a TV para assisti-la enquanto comia. E foi assim, sem aviso, sem motivo, sem querer, num momento improvável, que ouvi uma das conversas mais interessantes dos últimos tempos.

Estava passando um filme que não parecia ser bom, daqueles que só passam durante a madrugada, que mostrava a vida de dois garotos afegãos. Não era uma produção hollywoodiana, apenas mais um "filme B" de baixo orçamento. Ainda assim, valeu a pena pelo seguinte diálogo:

Garoto A: – Estou escrevendo um livro sobre um homem que as lágrimas se transformam em pérolas!
Garoto B: – Que legal! Como é a história?
A: – O homem é muito pobre, tem uma vida miserável, por isso chora muito. Um dia, um santo fica com pena dele e lhe dá uma bênção: suas lágrimas começaram a virar pérolas!
B: – Hmm... e o que acontece com esse homem?
A: – Por causa das pérolas, ele deixa de ser pobre. Mas deixando de ser pobre, não tem mais motivos pra chorar, então mata a própria esposa para chorar bastante e ganhar mais pérolas!
B: – Mas se ele queria tanto chorar, por que simplesmente não começou a cortar cebolas?

Nessa hora percebi: acordei para aprender uma lição, e, graças à sabedoria de um pequeno garoto afegão, não precisei chorar para isso.

Made of Steel