terça-feira, 22 de novembro de 2016

NINGUÉM PARA USAR

Uma casa grande. Sofá macio com cinco lugares, além de poltronas e cadeiras extras. Uma TV de sabe-se-lá-quantas polegadas e uma razoável coleção de filmes. Mas ninguém para fazer companhia.

Portão automático com garagem para dois carros numa rua tranquila onde podem estacionar tantos mais. Belas portas para se abrir e janelas amplas para que entre muita luz. Mas ninguém para chegar.

Tantos copos guardados no armário. Talheres que serviriam cinquenta mãos. Pratos suficientes para um verdadeiro banquete. Mas ninguém para usá-los.

Ah... tão melhor seria se fosse um casebre abafado e mal iluminado, onde fosse preciso sentar no chão, comer com as mãos diretamente das panelas e a única atração fosse uma conversa alegre entre amigos!

Pra isso, é preciso abrir o coração ao invés de portas, iluminar com os olhos ao invés de janelas, alimentar com sorrisos ao invés de talheres. No lugar de DVDs, palavras doces. Sai o sofá macio e entra o abraço acolhedor.

Infelizmente, pra algumas pessoas, isso parece ser difícil de se fazer. Então elas continuam sem entender o que acontece, sem entender porque tudo que prepararam para receber o mundo não lhes trouxe o mundo.

"Happiness only real when shared", disse o filme. Mas, num tempo onde a primeira coisa que vem à mente ao dizer a palavra "compartilhar" é um botão virtual azul, aprender isso é uma lição preciosa.

Made of Steel

terça-feira, 8 de novembro de 2016

PÁSSARO NA GAIOLA

Hoje o Facebook recuperou a memória de um post que fiz há 3 anos onde fazia minha contagem regressiva até, finalmente, me libertar da rotina dum emprego que não era mais suportável. Naturalmente, isso me fez parar por um instante pra refletir sobre o que aconteceu desde então.

Me sentia um pássaro dentro duma gaiola que, mesmo sabendo que estava seguro e com comida garantida no pote, olhava através das grades e não conseguia desejar nada senão conhecer o mundo lá fora. Mesmo sabendo que era perigoso, abri a porta da gaiola e saí de peito aberto, confiante de que conseguiria sobreviver.

Eu me arrisquei: larguei a estabilidade do funcionalismo público para investir numa carreira artística num país onde o cenário para isso é atroz e cruel. Escolhi o duvidoso e, na minha avaliação, acertei!

Durante esse percurso, fui elogiado muitas vezes pela minha "coragem". Mas, ora, que tipo de elogio é esse? Por que é admirável que alguém simplesmente escolha seguir o caminho que te faz feliz? Que visão deturpada é essa?!

O mundo fora da gaiola é realmente selvagem, é verdade. Mas se engana quem pensa que dentro dela está a salvo. As grades não protegem de tudo: as garras dos predadores ainda passam entre os vãos e, com um breve vacilo, você pode sair ferido. Isso sem falar que, a qualquer momento, você pode ser expulso da gaiola contra a sua vontade e, então, se ver obrigado a enfrentar o hostil "lado de fora" sem estar verdadeiramente preparado.

Seja como for, acredito que seja mais fácil para quem está fora das grades perceber todos esses perigos. Então continuo aqui com meus vôos, descobrindo a cada dia como fazer para chegar inteiro ao fim dele, enquanto observo outros pássaros dentro e fora de seus cárceres.

Mas... posso confessar uma coisa? Às vezes vejo sombras de grades por lugares onde passo e fico me perguntando se, afinal, o "mundo de fora" nada mais é do que o interior de uma gaiola ainda maior.

Se realmente for, será que me contentarei com o que tenho? E se, ao transpassar mais um limite, será que não encontrarei gaiolas cada vez maiores?

Será que, algum dia, serei verdadeiramente um pássaro livre?

Made of Steel