segunda-feira, 28 de novembro de 2011

UM RAPAZ, UMA CASA E UMA FLORESTA

Um rapaz vivia confortavelmente dentro de uma bela casa. Ele se sentia feliz, aconchegado, satisfeito. Seu mundo se resumia àquela casa, tudo que precisava estava ali, não tinha do que reclamar. Sua vida era tão feliz, era simplesmente maravilhoso, invejável. Foi então, numa tarde qualquer, que tudo mudou.

Ele estava perto da lareira, admirado o fogo, calado, ouvindo apenas os sons da lenha estalar por causa das chamas. De repente, um som pesado e grave imperou no salão: estavam batendo à porta. Knock knock knock! O som não parava. Knock knock knock! Ele não queria abrir. Knock knock knock! O fogo parecia bem mais interessante. Knock knock knock! Nada que tinha fora da casa valia a pena. Knock knock knock! Enfim, abriu a porta.

Para sua surpresa, não havia ninguém do outro lado. Porém, logo que moveu a pesada porta de madeira, uma forte brisa entrou na casa e, de tão potente, apagou a lareira. Nesse momento ele notou, não era tarde, mas sim noite. Agora, sem a luz do fogo, a casa parecia assustadora. Sem o calor, sentiu como a casa era fria. Não tardou e começou a enxergar vultos arrastando-se nos cantos, ouvia a casa gemer como se tivesse vida própria. Eis que ele percebeu: a casa sempre tinha sido daquele jeito horrível e cruel, mas o fogo criara uma ilusão tal que o tinha envolvido completamente. Agora não havia mais chama, agora ele podia ver.

Cansado daquele cenário deprimente, o rapaz saiu e, pela primeira vez, percebeu o que tinha negado durante tanto tempo. Ele descobriu, finalmente, como o mundo fora da casa era belo! O telhado de barro e madeira foi substituído por um céu noturno estrelado. As paredes de tijolo e cimento agora não existiam e davam lugar a uma floresta majestosa. O chão sob seus pés era de terra, não um tapete, e podia sentir a vida pulsando ali. 

Maravilhado, começou a caminhar lentamente na direção da floresta. A cada passo que dava a casa parecia cada vez mais grotesca, definhando, chamando-o como se sentisse que estava perdendo algo que considerava proprietária. Seu chamado transformou-se em gritos, berros, urros, guinchos e grunhidos. Amaldiçoava a tudo e a todos, até que, por fim, percebendo que não podia fazer mais nada, tentou negar que algum dia alguém vivera ali, fingindo que o rapaz sequer existia. Ele, de longe, só podia lamentar ver o lugar que um dia chamou de "lar" reduzir a si mesmo àquele estado tão triste.

Pouco tempo depois, o rapaz olhou para o céu e vislumbrou a lua. Ficou tão encantado que continuou caminhando com o olhar fixo na rainha do céu noturno. Quando finalmente voltou para o solo, notou que estava perdido no meio da floresta, não sabia onde estava. Porém, não sentiu medo, de alguma forma sabia que aquele era o lugar onde deveria estar. 

Ficou ali, parado, até que viu uma criatura se aproximar. Primeiro enxergou os olhos brilharem na escuridão, depois sua silhueta felina, a leveza do caminhar, a harmonia dos movimentos. Por fim, iluminado pelo luar, pode ver a beleza da fera que se apresentava: um puma. Sem cerimônias, o animal se aproximou e o rapaz não tinha medo, tinha a sensação de que aquele felino tão belo não o machucaria. Ele estava certo.

A noite já estava avançada, o frio tomou conta do corpo do rapaz, o fez tremer. O puma, que o olhava profundamente nos olhos, veio até ele e, sem avisos, usou o próprio corpo para aquecê-lo. Nesse momento o rapaz finalmente entendeu: mais uma vez estava confortável, feliz, aconchegado, satisfeito, mas não precisava mais do fogo enganador para isso. Melhor, tinha o céu com estrelas e a lua para admirar e, com o puma ali ao seu lado, não estava sozinho. De vez em quando ainda consegue ouvir a casa resmungando, distante, mas está num lugar bem melhor agora.

Made of Steel

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

TEMPO INDIVIDUAL

Impressionante como locais de grande movimentação coletiva são ótimas fontes de inspiração para filosofar! Quase tão recorrente quanto acordar para um novo dia, andar no metrô de São Paulo me proporciona diversos momentos em que algo chama minha atenção e leva meus pensamentos para longe. Dessa vez o que assunto é o tempo (ou ritmo) que cada pessoa tem.

Estava apressado, andando numa velocidade acelerada, precisava pegar "aquele" trem senão me atrasaria para um compromisso. Foi então que no meu caminho vi se aproximando um senhor bem idoso, curvado em sua bengala, com suas passadas lentas e curtas. Já éramos antagonistas por si só, mas para minha surpresa fui ultrapassado rapidamente por um rapaz que corria o mais rápido que podia. Passou por mim, sequer notou o velho, estava focado no seu objetivo, que era o mesmo que o meu.

Muito interessante essa relação: 3 indivíduos que estavam no mesmo lugar, na mesma hora, com o mesmo destino, mas ainda assim com percepções completamente diferentes porque tiveram tempos diferentes para analisar o que se passava ali. O rapaz correndo sequer podia raciocinar qualquer coisa que não fosse o caminho mais rápido até o trem, preocupando-se em escapar dos inúmeros obstáculos que encontrava no percurso. Eu, caminhando rapidamente, conseguia ver melhor as coisas, observar detalhes, perceber o que acontecia, mas provavelmente não reconheceria um amigo passando a alguns metros de distância, se acontecesse. O idoso, por sua vez, poderia até mesmo tentar decorar as feições daqueles que passavam, sentir cheiros de perfumes passageiros que estivessem por perto. Realmente, curioso.

Curioso é perceber, então, como isso é verdadeiro em nossas vidas. Quantas vezes não deixamos de apreciar certos momentos por causa de uma pressa muitas vezes desnecessária? Aquele beijo matinal rápido do marido atrasado que tanto vemos em filmes, por exemplo, como seria seu dia se ele se permitisse um beijo caloroso e apaixonado em troca de 1 ou 2 minutos a mais de espera? E aquele bolo que não teria queimado se você tivesse sido mais rápido em desligar o forno? Hoje é tudo tão frenético, desperdiçamos muita coisa por isso! Afinal de contas, são as tartarugas que vivem 100 anos, não as lebres!

Cada um tem seu ritmo, cada corpo trabalha num tempo diferente, isso é indiscutível, mas meu questionamento está no exagero. Temos que parar com essa mania de achar que "otimizar o tempo" seja preencher todos os segundos do seu dia com atividades sem margens para respiros. Certas coisas da vida precisam de um pouco mais de paciência para atingirem seu ápice.

Foi assim, depois de "perder um pouco do meu tempo" pensando que percebi: quem será que aproveita melhor a vida? O rapaz corredor que está "otimizando" seu tempo ou o senhor que efetivamente consegue sentir e perceber simplesmente porque se permite "desperdiçar" parte do pouco tempo de vida que lhe resta?

Acima de tudo: de quanto tempo as pessoas precisarão para perceber isso?

Made of Steel