Um rapaz vivia confortavelmente dentro de uma bela casa. Ele se sentia feliz, aconchegado, satisfeito. Seu mundo se resumia àquela casa, tudo que precisava estava ali, não tinha do que reclamar. Sua vida era tão feliz, era simplesmente maravilhoso, invejável. Foi então, numa tarde qualquer, que tudo mudou.
Ele estava perto da lareira, admirado o fogo, calado, ouvindo apenas os sons da lenha estalar por causa das chamas. De repente, um som pesado e grave imperou no salão: estavam batendo à porta. Knock knock knock! O som não parava. Knock knock knock! Ele não queria abrir. Knock knock knock! O fogo parecia bem mais interessante. Knock knock knock! Nada que tinha fora da casa valia a pena. Knock knock knock! Enfim, abriu a porta.
Para sua surpresa, não havia ninguém do outro lado. Porém, logo que moveu a pesada porta de madeira, uma forte brisa entrou na casa e, de tão potente, apagou a lareira. Nesse momento ele notou, não era tarde, mas sim noite. Agora, sem a luz do fogo, a casa parecia assustadora. Sem o calor, sentiu como a casa era fria. Não tardou e começou a enxergar vultos arrastando-se nos cantos, ouvia a casa gemer como se tivesse vida própria. Eis que ele percebeu: a casa sempre tinha sido daquele jeito horrível e cruel, mas o fogo criara uma ilusão tal que o tinha envolvido completamente. Agora não havia mais chama, agora ele podia ver.
Cansado daquele cenário deprimente, o rapaz saiu e, pela primeira vez, percebeu o que tinha negado durante tanto tempo. Ele descobriu, finalmente, como o mundo fora da casa era belo! O telhado de barro e madeira foi substituído por um céu noturno estrelado. As paredes de tijolo e cimento agora não existiam e davam lugar a uma floresta majestosa. O chão sob seus pés era de terra, não um tapete, e podia sentir a vida pulsando ali.
Maravilhado, começou a caminhar lentamente na direção da floresta. A cada passo que dava a casa parecia cada vez mais grotesca, definhando, chamando-o como se sentisse que estava perdendo algo que considerava proprietária. Seu chamado transformou-se em gritos, berros, urros, guinchos e grunhidos. Amaldiçoava a tudo e a todos, até que, por fim, percebendo que não podia fazer mais nada, tentou negar que algum dia alguém vivera ali, fingindo que o rapaz sequer existia. Ele, de longe, só podia lamentar ver o lugar que um dia chamou de "lar" reduzir a si mesmo àquele estado tão triste.
Pouco tempo depois, o rapaz olhou para o céu e vislumbrou a lua. Ficou tão encantado que continuou caminhando com o olhar fixo na rainha do céu noturno. Quando finalmente voltou para o solo, notou que estava perdido no meio da floresta, não sabia onde estava. Porém, não sentiu medo, de alguma forma sabia que aquele era o lugar onde deveria estar.
Ficou ali, parado, até que viu uma criatura se aproximar. Primeiro enxergou os olhos brilharem na escuridão, depois sua silhueta felina, a leveza do caminhar, a harmonia dos movimentos. Por fim, iluminado pelo luar, pode ver a beleza da fera que se apresentava: um puma. Sem cerimônias, o animal se aproximou e o rapaz não tinha medo, tinha a sensação de que aquele felino tão belo não o machucaria. Ele estava certo.
A noite já estava avançada, o frio tomou conta do corpo do rapaz, o fez tremer. O puma, que o olhava profundamente nos olhos, veio até ele e, sem avisos, usou o próprio corpo para aquecê-lo. Nesse momento o rapaz finalmente entendeu: mais uma vez estava confortável, feliz, aconchegado, satisfeito, mas não precisava mais do fogo enganador para isso. Melhor, tinha o céu com estrelas e a lua para admirar e, com o puma ali ao seu lado, não estava sozinho. De vez em quando ainda consegue ouvir a casa resmungando, distante, mas está num lugar bem melhor agora.
Made of Steel
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ResponderExcluirPois a floresta é ampla e muito, muito grande. Há quem diga que nunca acaba. E o rapaz e o puma ainda têm tanto pra ver... No verão, ele pode se refrescar com o puma numa bela cachoeira que existe no meio de uma clareira. Na primavera, eles podem correr no meio das flores,tão coloridas que pode-se jurar que existem cores lá que os olhos humanos nem conhecem. No outono, eles podem caminhar e descansar para ver os tons de amarelo, enquanto escutam os pés e as patas no farfalhar das folhas. E no inverno, o puma vai esquentá-lo com um calor tão gostoso... o mesmo calor usado sempre que o rapaz sentir frio.
E esse calor não é como o do fogo da lareira da casa, nem qualquer outra fogueira que pode ser apagada. O vento e a chuva podem vir à vontade. Porque o calor vem de dentro do puma e de dentro do rapaz, e vai durar até o fim da vida de ambos. Talvez mais.
PS- E apesar dos felinos terem uma audição aguçada, resmungos de casas são quase música para pumas. :P