segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

INSETO NO ELEVADOR

Estava atrasado para o trabalho, só pra variar um pouco. Levantar da cama era uma batalha diária e cada vez menos tinha vontade de vencê-la. Era uma pequena morte a cada manhã.

Entrei no elevador para subir os sete andares até a minha mesa. Julguei estar sozinho, mas me equivoquei. Um pequeno inseto voava debilmente lá dentro, se lançando contra as paredes, indo na direção das diversas luzes daquele cárcere temporário na esperança de achar a saída.

Sua inteligência artrópode era limitada demais para entender o que estava acontecendo, creio eu. Será que ele é capaz de sentir pânico? Será que é preciso racionalizar o perigo para o chegar no desespero?

O painel finalmente mostra o número 7. A porta se abre e novas luzes, ainda mais intensas, levam o inseto para este novo ambiente. Um pouco mais amplo, mas igualmente confinado e mentiroso. Ele procura a luz do sol, não a lâmpada!

Durante poucos segundos, ele parecia satisfeito com seu novo espaço, mas não demorou muito para iniciar mais uma vez seu frenesi em busca de algo além daquelas paredes. Talvez ele saiba, ou apenas sinta, que sua vida de inseto é curta demais para perder tempo com lâmpadas artificiais.

Entrei na minha sala, sentei na minha mesa. Não conseguia mais ver se ele ainda estava no corredor, mas conseguia ver o sol iluminando o dia através da janela. Toquei o vidro suavemente e respirei fundo. A tela do meu computador brilhou e roubou minha atenção. Mais um dia de trabalho.

Made of Steel

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

MAS O QUE VAI RESTAR É O SILÊNCIO

Era domingo. A nação escolhia seu governante pelos próximos quatro anos. Era domingo e, assim como num certo domingo de Agosto recente, tive que me desfazer de uma parte de mim, mas desta vez a dor era muito maior, pois era uma parte que não queria perder.

Era domingo quando nos conhecemos. Na verdade, foram dois domingos. No primeiro você me conheceu, no segundo eu te conheci.

Era domingo quando senti o gosto dos seus lábios pela primeira vez e, um domingo depois, tão avassalador era aquele sentimento que dividíamos, ouvi um "sim" ressoando docemente entre esses mesmos lábios.

Era domingo quando te entreguei os anéis de prata que selavam nosso compromisso. Tudo isso durante um ritual sagrado, solene e intenso que acontecia há exatos três anos. Justo 3, um número que sabemos quantos significados tem para nós.

Muitos domingos se passaram desde então. Muitos sorrisos, beijos, abraços, carinhos, toques, palavras, respirações, ocitocinas, panaceias, batimentos, lágrimas... Só não pensei que o domingo seria também o fim, pois não pensava que existiria o fim.

Domingo é o dia do Sol. Foi você quem me ensinou. Assim como me ensinou muito mais. E lhe serei eternamente grato por isso. Assim como serei eternamente acompanhado pelo sentimento transcendental que nos uniu e que sabemos que nunca nos abandonará.

Escrevo essas palavras numa segunda-feira, dia da Lua. No mesmo dia da Lua em que você inicia um novo ciclo que comemoraríamos num dia do Sol depois de, numa sexta-feira, dia de Vênus, eu cantar com todo o meu fôlego para que deixem o Sol entrar. Sol... domingo... deixa... entrar...

E é assim, sem conter as lágrimas que escorrem pelo meu rosto, que deixo entrar sua última mensagem vinda no dia do Sol, mesmo que ela "entrar" signifique aceitar que parte de mim saia e que, ao contrário do que se espera do Sol, me tire um pouco da luz.

No seu próximo dia de Vênus, você estará celebrando mais uma vez um ritual de amor. Como você mesma disse, de Amor Próprio. Eu me despeço com outras palavras que cantei no meu último dia de Vênus:

Um último olhar
E um abraço dar
Pela última vez beijar
Mas o que vai restar
É o silêncio...

Adieu?
Non.

Made of Steel

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

VANESSA DO LARGO

Era domingo. Era noite. Não havia nuvens e a lua estava especialmente cheia, preenchendo boa parte do céu com a sua forma e todo o resto com a luz que refletia do sol. Se eu não estivesse no meio da cidade, cheia das suas luzes elétricas e neons, certamente estaria igualmente claro (e poético), graças à ela. O clima estava agradável, pedindo por uma caminhada. Minha mente, ao contrário do céu, estava bastante nublada, pedindo por uma reflexão.

Andei por horas, cruzando a cidade para chegar até a minha casa. No caminho, na região da Estação da Luz, fui abordado por uma mulher, claramente dependente de drogas, armada com caderno e caneta, me oferecendo sua Arte Cultura: Poesia de Rua. Seu nome é Vanessa, ou, como ela me disse, sorrindo com seus dentes faltantes: "Vanessa do Largo, porque não sou nem a Camargo, nem a Da Mata, mesmo sendo Vanessa. Então, como sou daqui, sou a Vanessa do Largo, entendeu?".

Pessoas que passavam por nós olhavam com estranheza. Nunca saberei o que pensavam. Se era "o que essa mulher está conversando com ele?" ou "o que esse cara esta conversando com ela?". Mas perceber isso também me divertia e, ao mesmo tempo, entristecia. Afinal, somos dois seres humanos dotados de capacidades comunicativas. Por que motivo uma conversa deveria ser tão estranha? Sociedade doente...

Com o passar do tempo, ela foi ficando mais confiante para falar. Disse muitas frases prontas, de fato, mas todas com alguma poesia. Ao mesmo tempo que falava, riscava seu caderno com uma agilidade nervosa típica de alguém que já está há muito entregue às drogas. Tive a nítida impressão de que, se fosse preciso, ela ficaria horas e horas riscando aquelas folhas.

Por fim, Vanessa fez o pedido que eu já esperava desde o momento que a vi se aproximar: "aceito qualquer contribuição que puder dar pela minha Arte Cultura: Poesia de Rua". Era engraçado como, sempre que falava do que estava fazendo, ela precisava repetir o slogan inteiro. Ao mesmo tempo que sua voz e jeito de falar transpareciam todo o peso daquela vida.

Olhei em seus olhos e decidi fazer um pequeno jogo:
– Se eu te der algum dinheiro. O que fará com ele?
– Vou tomar um banho.
– Não minta pra mim, Vanessa! O que vai fazer com o dinheiro?
– Vou mesmo tomar um banho, porque estou precisando... e dar uns pegas também, é verdade! Mas estou nessa vida porque eu quis, porque eu escolhi!

Eu sorri, pois era exatamente isso que eu queria com aquele joguinho. Só queria ouvir uma verdade óbvia. Queria que ela fosse verdadeira comigo, assim como eu estava sendo com ela naquele momento.

Então fiz um último pedido: que escrevesse algo para mim enquanto pegava algum dinheiro para ela. Sua caneta voltou a riscar nervosamente a folha e Vanessa declamava aquilo que colocava no papel:

"p/ Sérgio c/ carinho

Arte Cultura
Poesia de Rua

Somos livres p/ escolher
Porém escravos das consequências

Vanessa do Largo"

Não cabia a mim fazer qualquer julgamento ou tentar "salvá-la daquela vida". Sabia que, de certa maneira, estava contribuindo com seu vício, mas suas palavras falavam tanto dela mesma quanto de mim. Ela foi livre pra escolher e agora é escrava das consequências. Então lhe dei um pouco de humanidade, de atenção, de carinho. 

Ofereci apenas um aperto de mãos e um "obrigado" ao invés de ceder à minha vontade de abraçá-la. Me arrependo disso.

Trocamos a minha nota por sua folha. Papel por papel. Cada qual com um valor diferente. E, ao meu ver, fiquei com o mais valioso dos dois.

Made of Steel

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

QUEM DERA...

"Quem dera" é desejo, expectativa, frustração, tristeza.
"Quem dera" é renovação, vontade, impotência.
"Quem dera" é sonho, efêmero, passageiro, distante.
"Quem dera" é falso.

Quem dera as pessoas parassem de usá-lo sem realizá-lo.
Quem dera eu fosse diferente destas pessoas.

Made of Steel

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

ETERNO SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO

Gostaríamos de ser todos Teseus e Hipólitas, soberanos e poderosos. Talvez Lisandros, Demétrios, Hérmias e Helenas, tão apaixonados e vívidos, aventureiros. Também nos encanta a ideia de sermos Oberons, Titânias e Pucks, com sua astúcia e magia. Ah, como isso seria maravilhoso! Um verdadeiro sonho!

Mas a verdade é que somos nada mais que carpinteiros, tecelões, funileiros, marceneiros e alfaiates, todos atuando em papéis de maneira tão medíocre quanto patética. Arrogantes em querer representar heróis, leões e até mesmo o luar.

Tão mais honesto seria se nos concentrássemos em nossas verdadeiras virtudes! Tão mais formidáveis seríamos se nos fosse mais querido realizar aquilo que nossas aptidões sugerem! Por que desejamos tanto aquilo que não somos? Por que é tão difícil aceitar a si próprio?

Porque devo ser perfeito e soberano aos olhos dos outros. Porque o amor é pré-moldado e qualquer coisa fora desta forma escolhida é promíscua e errada. Porque astúcia é uma qualidade necessária nesse mundo cheio de armadilhas sociais e a fantasia nos oferece uma fuga à realidade fria como o inverno. Frio é ruim, o calor é bom.

Então continuemos nossa interminável peça. Tão trágica quanto a história de Píramo e Tisbe, tão cômica quanto os atores que a encenam. Continuemos nossa dança cíclica acompanhada de fadas e elfos! Continuemos vivendo, cada um, seu próprio e eterno sonho de uma noite de verão!

Made of Steel

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

O CORPO

O corpo pede.
O corpo deseja.
O corpo chama.

O corpo é chama.
O corpo é fogo.
O corpo é vulcão.
O corpo é raio.
O corpo é choque.

Choque entre aquilo que se quer e o que se deve.
Choque entre o que se pode e o que se tem.

O corpo quer, deve, pode e tem.

O corpo é vontade.
O corpo é luxúria.
O corpo é desejo.

Made of Steel

quinta-feira, 13 de março de 2014

ESTOU ACORDADO?

Estávamos os dois envolvidos por águas cristalinas quando ela começou a me olhar fixamente, em silêncio. Já conhecia aquele olhar: distante, pensativo, confuso.

Seus olhos sempre me encantaram e, de tanto admirá-los, aprendi a entendê-los. Olhos de Lua, pois, assim como o astro, mudavam quase que por capricho, revelando diversas faces de si mesma, todas igualmente fascinantes.

O silêncio permaneceu por muito tempo, até ser quebrado por uma pergunta que eu já esperava:
– Estou acordada?
– Não.
– Foi o que pensei...

Mais uma vez, o silêncio. Mais uma vez, um olhar. Mais uma vez, uma pergunta. Desta vez, com lágrimas tremeluzindo junto com seu lindos olhos prismáticos:
– Então... todas as minhas memórias... são mentiras?
– Não é isso. Elas apenas não aconteceram ainda, mas virão com o tempo.
– Não! É tudo mentira! Tudo mentira...

Ofereci meu abraço mais carinhoso e consegui trazer o conforto necessário. As lágrimas cessaram e deram lugar à palavras preenchidas de ternura misturada à melancolia, narrando memórias de acontecimentos ainda reservados ao futuro. Fomos até a cama e continuamos dividindo aquele momento sereno, sincero, mágico, único. Uma conversa embalada por carinhos, olhares, carícias e palavras doces.

Um bocejo impôs sua vontade e, com voz sonolenta e olhos pesados, ela lutava para que Morfeu não a cobrisse com seu manto. Quando questionei o motivo, a resposta me invadiu, preenchendo-me com o mais puro dos sentimentos: "Se eu dormir, deixarei de existir, e minhas memórias comigo. Não posso permitir que isso aconteça".

Nossos lábios se tocaram num longo e caloroso beijo. Nos amamos intensamente até que, no ápice, ela despertou e se entregou a mim num abraço forte, compartilhando nosso êxtase.

Esse foi um dos momentos mais poéticos da minha vida, e cheguei a pensar que talvez não tivesse outra oportunidade, mas estava enganado. Mais um vez, seu despertar não-desperto veio até mim para trazer à tona os mais profundos e poderosos sentimentos.

Por desaventuras do caminho, após certo tempo, seguimos rumos diferentes. Não sem muita dor para ambos.

Alguns dias depois, quando estava deitado na cama, pronto para dormir, meu telefone toca. Seu nome, escrito no visor, me surpreendeu, mas não foi tão grande quanto o espanto ao ouvir seu tom de voz inspirando alegria num simples "oi".

Em certo momento da conversa, logo no início, aquela mesma pergunta:
– Estou acordada?
– Não.
– É... acertou!

Lá estava ela novamente, mas desta vez não para dividir memórias futuras. Eram os sentimentos de hoje que dominaram as horas de conversa que se sucederam. Inclusive com revelações e confissões inesperadas.

Seus apelos me tocaram profundamente, revelando aquilo que estava latente, encoberto com pensamentos forçados e forjados para esse exato propósito: ocultar. Eis que, mais uma vez, me vi naquela cama, com meu olhar perdido em seus Olhos de Lua, lutando contra o sono. Mais uma vez, preenchido.

Então abro meus olhos, deitado na minha cama, olhando para o teto. De repente tudo tão distante, tão frio.
– Estou acordado?
– Sim, estou.

Made of Steel