Estávamos os dois envolvidos por águas cristalinas quando ela começou a me olhar fixamente, em silêncio. Já conhecia aquele olhar: distante, pensativo, confuso.
Seus olhos sempre me encantaram e, de tanto admirá-los, aprendi a entendê-los. Olhos de Lua, pois, assim como o astro, mudavam quase que por capricho, revelando diversas faces de si mesma, todas igualmente fascinantes.
O silêncio permaneceu por muito tempo, até ser quebrado por uma pergunta que eu já esperava:
– Estou acordada?
– Não.
– Foi o que pensei...
Mais uma vez, o silêncio. Mais uma vez, um olhar. Mais uma vez, uma pergunta. Desta vez, com lágrimas tremeluzindo junto com seu lindos olhos prismáticos:
– Então... todas as minhas memórias... são mentiras?
– Não é isso. Elas apenas não aconteceram ainda, mas virão com o tempo.
– Não! É tudo mentira! Tudo mentira...
Ofereci meu abraço mais carinhoso e consegui trazer o conforto necessário. As lágrimas cessaram e deram lugar à palavras preenchidas de ternura misturada à melancolia, narrando memórias de acontecimentos ainda reservados ao futuro. Fomos até a cama e continuamos dividindo aquele momento sereno, sincero, mágico, único. Uma conversa embalada por carinhos, olhares, carícias e palavras doces.
Um bocejo impôs sua vontade e, com voz sonolenta e olhos pesados, ela lutava para que Morfeu não a cobrisse com seu manto. Quando questionei o motivo, a resposta me invadiu, preenchendo-me com o mais puro dos sentimentos: "Se eu dormir, deixarei de existir, e minhas memórias comigo. Não posso permitir que isso aconteça".
Nossos lábios se tocaram num longo e caloroso beijo. Nos amamos intensamente até que, no ápice, ela despertou e se entregou a mim num abraço forte, compartilhando nosso êxtase.
Esse foi um dos momentos mais poéticos da minha vida, e cheguei a pensar que talvez não tivesse outra oportunidade, mas estava enganado. Mais um vez, seu despertar não-desperto veio até mim para trazer à tona os mais profundos e poderosos sentimentos.
Por desaventuras do caminho, após certo tempo, seguimos rumos diferentes. Não sem muita dor para ambos.
Alguns dias depois, quando estava deitado na cama, pronto para dormir, meu telefone toca. Seu nome, escrito no visor, me surpreendeu, mas não foi tão grande quanto o espanto ao ouvir seu tom de voz inspirando alegria num simples "oi".
Em certo momento da conversa, logo no início, aquela mesma pergunta:
– Estou acordada?
– Não.
– É... acertou!
Lá estava ela novamente, mas desta vez não para dividir memórias futuras. Eram os sentimentos de hoje que dominaram as horas de conversa que se sucederam. Inclusive com revelações e confissões inesperadas.
Seus apelos me tocaram profundamente, revelando aquilo que estava latente, encoberto com pensamentos forçados e forjados para esse exato propósito: ocultar. Eis que, mais uma vez, me vi naquela cama, com meu olhar perdido em seus Olhos de Lua, lutando contra o sono. Mais uma vez, preenchido.
Então abro meus olhos, deitado na minha cama, olhando para o teto. De repente tudo tão distante, tão frio.
– Estou acordado?
– Sim, estou.
Made of Steel