Sou um típico morador da cidade de São Paulo: sempre correndo, sempre sem tempo, pegando metrô, pegando ônibus, pegando carro, pegando trânsito. Vivo a cidade no seu ritmo e, muitas vezes, com seu olhar indiferente para tudo que vai além do meu próprio umbigo.
Certa vez, numa manhã qualquer, quase embarcando num ônibus no Terminal Bandeira, ouvi gritos agudos que não significavam nada em especial. O som direcionou meu olhar pra cena e vi um grupo de funcionários da Prefeitura jogando coisas num caminhão, enquanto uma moradora de rua observava, impotente, seus pertences tão simplórios sendo levados.
O que mais prendeu minha atenção não foi a indiferença de quem passava por ali, nem o modo autômato como os funcionários realizavam sua tarefa, pois já era esperado. As pessoas estão preocupadas demais consigo mesmas, e os trabalhadores estavam apenas cumprindo ordens, sem tirar qualquer tipo de prazer daquela situação.
O que me hipnotizou foi o rosto daquela mendiga e seu cântico quase animalesco. Ela não chorava, não enraivecia. Obviamente com sua razão danificada por algo que nunca saberei o que foi, aquela senhora de aparentes 50 ou 60 anos de idade se limitava a grunhir coisas ininteligíveis.
Me lembrei de Estamira, chamada por uns de "louca", por outros de "profeta", por alguns de "sábia". Fiquei imaginando o quanto daquele discurso da mendiga do Terminal Bandeira não poderia conter sabedoria, se fosse possível entendê-lo.
"A culpa é do hipócrita, mentiroso, esperto ao contrário, entendeu?, que joga a pedra e esconde a mão".
"Ó, você quer saber? eu não tenho raiva de homem nenhum. Eu tenho é dó. Eu tenho raiva do trocadilo, do esperto ao contrário, do mentiroso, do traidor. Desse é que eu tenho raiva, ódio, nojo!".
Meu ônibus começou a andar e mantive meu olhar naquela senhora enquanto pude. Uma cena triste, mas humana. Fui embora dali com a certeza de que, em pouco tempo, ela estaria lá de novo com várias outras coisas acumuladas, até que o processo todo se repita.
Seja como for, saí com a certeza de que, mesmo sem entender uma palavra sequer do que ela dizia, ela estava certa.
Made of Steel
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